Luiz Sergio Vieira, CEO Da Consultoria EY.

“Apesar da crise, o Brasil é atrativo para investimentos”, avalia CEO da EY

Por Jaqueline Mendes

São Paulo – O executivo Luiz Sergio Vieira, CEO da consultoria EY (antiga Ernst & Young), tem dedicado boa parte de seu tempo a ajudar as empresas brasileiras a se adaptar às transformações impostas pelas novas tecnologias. Uma de suas principais atribuições é analisar os impactos dessas mudanças em companhias do mundo todo, trazendo para o Brasil aquilo que ele considera essencial para a chamada nova economia. Em entrevista exclusiva, Vieira analisa a conjuntura brasileira, fala sobre a influência do cenário eleitoral na retomada da confiança e critica a forma como algumas empresas têm agido diante das inovações tecnológicas. A boa notícia é que, segundo o presidente da EY, ativos brasileiros continuam no radar dos estrangeiros. “Fizemos uma pesquisa que mostrou que o Brasil é o segundo país do mundo mais atrativo para investimentos”, afirma. Confira na entrevista a seguir.

Como o senhor avalia o atual cenário da economia brasileira?

O Brasil vem de uma crise econômica e de um cenário extremamente desafiador. Tivemos nos últimos anos encolhimento do PIB. É claro que, olhando para os números, houve uma retomada, mas que ficou prejudicada pela agenda recente, como a greve dos caminhoneiros e o calendário eleitoral.

A não aprovação das reformas vai prejudicar a recuperação?

A agenda de reformas foi paralisada, desde as micro até as maiores. Elas foram colocadas em compasso de espera, mas deverão acontecer com o próximo governo. Então, obviamente, isso tem gerado revisões constantes da projeção de crescimento da economia.

O Brasil deixou de ser atraente aos olhos dos investidores?

Não. A gente nota que, apesar de toda a crise econômica, o Brasil continua sendo atrativo para investimentos. Nós estamos mantendo um nível de investimento estrangeiro direto muito alto. O Brasil continua se posicionando entre os oito maiores países que mais recebem aportes. Agora, em se tratando de investimentos de longo prazo, é claro que as incertezas inibem. As dúvidas que ainda estão postas no calendário eleitoral, sem uma clara indicação do que vai acontecer, colocaram alguns investimentos em compasso de espera.

Mas vários setores estão sendo muito prejudicados…

Como o Brasil possui uma indústria completa, uma cadeia de produção muito diversificada, é natural que alguns setores estejam piores do que outros. Alguns investimentos foram reduzidos, sim. Além disso, houve desaceleração do movimento de IPOs (abertura de capital) e alguns M&A (fusões e aquisições) foram adiados.

O Brasil está atrativo por que a crise e o dólar deixaram o país mais barato?

Sem dúvida. O que acontece é que esse movimento de investimento acontece pelo preço dos ativos, mas ocorre principalmente pela perspectiva de lucratividade, de retorno daquele ativo. O cenário tem que ser composto também pela perspectiva de crescimento do país. Não adianta só o ativo estar barato, se não há no horizonte uma boa perspectiva de retorno do investimento.

O investidor que não conhece o Brasil consegue enxergar esse potencial futuro?

Os investidores estrangeiros já conhecem os altos e baixos da nossa economia. Eles sabem quando há capital abundante e identificar algumas janelas de oportunidades no país.

Não há outros países emergentes melhores para se investir?

Fizemos uma pesquisa recentemente, que chamamos de “barômetro”. Ela mostra que o Brasil foi o segundo país mais atrativo do mundo para investimentos. Não foi o que mais recebeu investimentos, mas o que apresentou melhores perspectivas. Mesmo na crise, o Brasil recebeu mais recursos do que a Índia. Há interesse porque temos um mercado de 200 milhões de pessoas, posição geográfica estratégica, um grande potencial para obras de infraestrutura. Então, é óbvio que há muita oportunidade de investimento para onde quer que se olhe, em comparação a outros mercados que estão muito mais maduros.

Continua atrativo mesmo sem as reformas?

As reformas foram muito bem-vistas pelo mercado, mas não conseguimos continuar a agenda. Além disso, com um nível de desemprego alto e um elevado endividamento das empresas, hoje esse cenário gera uma certa aversão e mais cautela dos investidores. Mas eles ainda olham para o país de forma positiva.
A vitória de um candidato à Presidência com viés populista ou radical pode afetar o crescimento?Independentemente de quem seja o próximo presidente eleito, seja o candidato A, B ou C, só o fato de saber qual será o rumo da economia, os investimentos tendem a aumentar. Será possível fazer uma leitura do que irá acontecer com o Brasil e, assim, precificar.

Então o ambiente político é, atualmente, o maior obstáculo para a recuperação econômica?

Sim, hoje o maior entrave para o crescimento é a indefinição eleitoral. É claro que o Brasil tem uma pauta grande de assuntos que precisa tratar sobre competitividade e para atratividade de capital. Mas, aí, são problemas históricos que nós temos que trabalhar.

Quais problemas?

Marcos regulatórios, agências reguladoras, sistema tributário complexo e desequilibrado, educação. Há uma série de problemas que deixam o Brasil muito mal em qualquer ranking de competitividade. Se fizer o dever de casa, parar de trabalhar sob a ótica do país do futuro e, sim, o país do presente, o Brasil pode crescer muito mais.

As novas tecnologias irão transformar o mercado de trabalho?

Esse é um movimento global, uma quarta revolução industrial, composta por uma série de tecnologias disruptivas. Isso muda muita coisa, com a convergência de setores, e cria novas formas de como o consumidor irá lidar com as empresas. A agilidade, a rapidez e o acesso à informação que o cliente passou a ter disponível tiveram um impacto muito grande no mercado. Uma das características desse movimento é a velocidade em que ela está acontecendo.

Essa velocidade é boa ou ruim?

A rapidez é algo que gera oportunidades para a criação de negócios, para quem é inovador ou que está muito mais ligado ao cliente. Mas, é obvio, ela exige que as empresas e os países sejam ágeis. Na história da evolução, os animais que sobreviveram não foram os maiores, mas os mais adaptáveis. Então, acho que esse é o cenário que está posto.

Quando essas novas tecnologias serão uma realidade em toda a economia?

Cada tecnologia tem ritmo diferente para acontecer. Existem tecnologias que estão avançando mais, como o ‘big data analytics’, a inteligência artificial e o blockchain.

As empresas estão prontas para o futuro?

As empresas ainda não estão preparadas para as novas tecnologias. Em geral, algumas delas já despertaram e estão agindo, fazendo os investimentos de uma forma diferenciada. Outras estão um pouco mais reativas, o que é um risco. É o que temos visto no mercado. As empresas cometem vários erros nessa jornada digital.

Que erros?

Elas focam na tecnologia e não nos problemas que precisam ser resolvidos. Às vezes, as empresas aderem a alguma tecnologia do momento. Acabam se apaixonando pela tecnologia e perdem o foco nos problemas do negócio.

As empresas estão atrasadas nesse movimento?

Algumas, sim. Há um ou dois anos, as empresas estavam achando que essa transformação digital demoraria um pouco mais. Hoje, está na agenda da grande maioria dos CEOs. Esse é um movimento que não tem volta, é rápido e disruptivo.

A crise brasileira afetou os investimentos em inovação?

Com certeza. No mercado brasileiro, as empresas estavam muito ocupadas em uma agenda de sobrevivência e não fizeram os investimentos que precisavam ser feitos.

O que precisa ser feito agora?

É preciso ter a estratégia digital correta, fazer a transformação, trabalhar o ser humano para aumentar sua capacidade. É obvio que haverá um impacto nas relações de trabalho, mas boa parte do que temos hoje de novas tecnologias pede para aumentar a capacidade humana. Então, o ser humano precisa estar no centro de toda a transformação digital.

As novas tecnologias irão acabar com a mão de obra humana?

Elas irão redefinir. Irão redesenhar toda a forma de lidar com a tecnologia. Algumas profissões serão, sim, substituídas. Outras funções irão coexistir, aumentando a interação entre tecnologia e ser humano. Vamos pensar na função de médico. Cada vez mais essa profissão terá o uso de inteligência artificial, que pode potencializar e ajudar o médico a ser mais efetivo em diagnósticos e procedimentos. Mas, continuaremos precisando da figura do médico.

Faltam incentivos do governo para estimular a inovação? 

Não só incentivo tradicional, mas a criação de um ecossistema. Os governos têm papel estratégico na indução da inovação e da transformação digital, o que inclui também incentivos. Mas, não há dúvida de que a iniciativa privada tem um protagonismo nisso. Não dá para ficar esperando pelas ações do governo.

Faltam propostas dos candidatos sobre inovação?

Não conheço ainda os planos de governo dos candidatos porque eles ainda estão sendo elaborados. Nós, na EY, criamos um pacto pela digitalização humanizada do trabalho. Criamos o movimento “Brasil Digital”, que se propõe a apoiar iniciativas por um país inovador, digital e inclusivo. A ideia é levar essas propostas aos candidatos para que eles possam refletir sobre o tema em seus planos de governo.

“Nós estamos mantendo um nível de investimento estrangeiro direto muito alto. O Brasil continua se posicionando entre os países que mais recebem aportes”

“O maior entrave para o crescimento é a indefinição eleitoral. Se fizer o dever de casa, parar de trabalhar sob a ótica do país do futuro e sim do presente, o Brasil pode crescer muito mais”

“Temos um mercado de 200 milhões de pessoas, posição geográfica estratégica, um grande potencial para obras de infraestrutura. Então, é óbvio que há muita oportunidade”

 

Fonte: Correio Braziliense

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